terça-feira
21 de Julho de 2009
Somos “comunistas”. Mas não no sentido vulgarizado e caricatural que aparece a todo o momento nas páginas dos livros de história e nos media (“regime comunista”, “Estado comunista”, “partido comunista”, etc.). O verdadeiro comunismo é de essência anarquista: anti-estatista (afirma a desaparição do Estado) e anti-autoritário. Significa a comuna livre e a associação dos indivíduos.
Quando os oprimidos e os explorados decidem conjuntamente, nas assembleias gerais, como querem viver e o que fazer para se apoiarem mutuamente. Quando utilizam e põem em comum través da colectivização e da socialização todos os bens e produtos da terra. Segundo as palavras do poeta anarquista do século XVIII, Sylvain Maréchal: «Utiliza-se a luz do Sol que brilha para todos». Desafortunadamente, em 1917, o sentido deste termo foi distorcido e desnaturado pelos bolcheviques, tornando-se em seguida motivo de chacota do resto do mundo.
Nós somos «comunistas» nas nossas ideias, no fim pelo qual trabalhamos; nós somo-lo igualmente na nossa própria luta. Estamos convencidos de que, por si mesmas, as assembleias gerais das fábricas, dos serviços e dos moradores dos bairros ou das localidades devem decidir como organizar as greves (ou as revoltas), as manifestações e as reuniões; como resistir face à repressão das forças coercivas do sistema. Elas devem decidir, por si mesmas, sem auto-proclamados representantes dos partidos, dos sindicatos, dos deputados ou dos juízes. Ou seja, rejeitar toda a forma de burocracia. Tais assembleias gerais soberanas são não só uma aposta de sucesso na luta actual, mas também um protótipo, de facto uma pedra angular da sociedade livre.
Mas se vós, anarquistas, sois pelas assembleias gerais, porquanto as considerais uma pedra angular da sociedade livre, porquê julgais necessária a criação da «organização anarquista de trabalhadores»? O leitor pode então questionar-se sobre para que servem tais assembleias.
Comecemos pela simples constatação de que as assembleias gerais são muito raras na Rússia contemporânea. A luta é gerida e conduzida, aqui, na maior parte das vezes, pelos políticos dos partidos e pelos burocratas sindicais. O seu comité sindical decide todos os aspectos da greve. Os trabalhadores não se reúnem senão para confirmar as decisões já tomadas por este comité sindical. Segundo eles, a massa, “incompetente”, não é capaz de se organizar por si própria - infelizmente, a sua opinião tornou-se irrelevante. Quebremos esta triste tradição a todo o custo! É por isso que é de uma importância vital unir os oprimidos e os explorados que defendem o princípio da soberania das assembleias gerais.
No entanto, actualmente, as assembleias gerais não são suficientes por si sós, tanto mais quanto elas só se reúnem quando rebenta uma greve importante. O poder manifesta-se muito rapidamente através dos representantes dos partidos e dos sindicatos. Estes chegam ao ponto de tomar todas as decisões que dizem respeito à condução da luta. São eles que falam, deliberam e negoceiam com os patrões e as autoridades para concluir alianças sobre o dorso dos trabalhadores... Os oprimidos e explorados não passam então de figurantes, como acontece todos os dias sob o capitalismo. Outro fenómeno do mesmo género: as massas “abdicam”, por vezes, mesmo da sua soberania, confiando a responsabilidade de pensar e de decidir aos pequenos chefes improvisados e aos burocratas sindicais.
Porque acontecem as coisas desta forma? As assembleias gerais são habitualmente o lugar onde se tomam as decisões, mas elas não são um fim em si. Podem tomar-se decisões muito diferentes, neste espaço público, que são contraditórias, de facto incompatíveis, com os interesses dos explorados e dos oprimidos em luta. A forma é fundamental, o conteúdo também, assim como a sua harmonia. Porque o conteúdo das decisões é determinado por aqueles que aí participam, pelas suas necessidades, pelos seus desejos, pelas suas ideias e pelas suas convicções. Tudo isto depende deles.
Certamente, o ser humano é um ser social (é a sua especificidade biológica, se quisermos). O seu comportamento é evidentemente estruturado por múltiplas relações que podem impulsionar um profundo apoio mútuo e a solidariedade. Mas os milénios de autoridade, de dominação e de propriedade afectaram gravemente a sua personalidade. Graças a vectores ideológicos (concorrência até ao limite, procura de favores pessoais, egoísmo bestial, conformismo e consumismo perverso), o capitalismo contribuiu grandemente para a tomada desta direcção. E mais, presentemente, uma fracção significativa dos explorados e oprimidos presta-se a trocar a sua liberdade por conforto, a contentar-se com migalhas obtidas através de esforços mínimos e, tanto quanto possível, sem recorrer à luta. E não pretende em caso algum romper com o capitalismo.
Consequentemente, se queremos que as assembleias gerais permaneçam um lugar livre e independente, para que os explorados e os oprimidos sejam donos da sua luta e do seu destino, todos os partidários desta opção devem unir-se resolutamente a fim de a defender. Para levar a cabo esta ambição, necessitamos de uma organização revolucionária que una nas suas fileiras os oprimidos e explorados que querem lutar conscientemente pelo triunfo da liberdade, da solidariedade e da acracia. Se, desde já, poucas pessoas integram esta organização revolucionária, estamos convencidos de que as nossas ideias convencerão mais cedo ou mais tarde, num primeiro momento, uma fracção significativa dos oprimidos e dos explorados.
Significa isto que os partidários do “comunismo livre” devem criar um partido político para lutar contra o capitalismo sob todas as suas formas?
A palavra partido contém em si mesma aquilo que nós recusamos. Significa, nem mais nem menos, que uma “parte” da população age para defender os seus próprios interesses de classe. Um partido é formado por aqueles que pretendem atingir o posto de chefes com o fim de serem representantes instituídos. Estes querem que os explorados e oprimidos lhes confiem o papel de conduzirem a luta. Os membros dum partido agem sempre segundo as instruções vindas de cima, mesmo quando, por exemplo, trabalham na base no seio do meio popular. - “Confiem-nos a representação dos vossos interesses. Nós faremos então...” dizem eles aos oprimidos e aos explorados.
Pouco importa qual o partido em causa, parlamentar, vanguardista ou uma coisa e outra. No primeiro caso, os dirigentes tentam representar os interesses das diferentes classes da sociedade prometendo tudo e mais alguma coisa, mas satisfazendo exclusivamente os detentores da riqueza e do poder. No segundo caso, os dirigentes autoproclamam-se como uma minoria iluminada proveniente do povo, uma elite natural que não é compreendida e estimada pelos poderosos do momento. No entanto, os objectivos e as tarefas destes partidos são sempre as mesmas: tomar o poder, instalar um governo e abandonar continuadamente os interesses dos oprimidos e dos explorados.
Não temos a intenção de construir um partido político. Também não queremos permanecer um grupo ideológico de propaganda que se limite à difusão simples das nossas ideias, ainda que por vezes sejamos forçados a começar desta forma. Para nós, é deveras insuficiente frequentar as massas lá onde elas se encontram e falar-lhes. Para nós é insuficiente ir a reuniões e a assembleias gerais de grevistas ou de moradores. Não queremos, de certeza, ser um grupo ideológico que produz análises, sintetiza a experiência da luta e dá lições aos irmãos de classe - guiados e dirigidos, com maior ou menor arrogância, a partir das suas alturas científicas ou culturais.
A teoria morre sem a prática. A conceptualização pura dentro duma torre de marfim é impotente sem uma real confrontação no campo social, de onde emana a lição da experiência. As ideias (a fortiori as nossas, as do “comunismo anarquista”) não podem avançar no mundo senão quando elas próprias são capazes de gerar uma força social. Isto subentende, logicamente, que o movimento social recupere para si muitas das nossas ideias como a acracia e a acção directa, juntamente com o ideal de liberdade. Nós aspiramos a que o movimento social destrua este sistema para o substituir por um novo.
A luta contra o mundo actual da autoridade, da dominação, da exploração e da injustice começa com a resistência contra cada ataque à nossa vida e à nossa liberdade: as greves pelo aumento de salários e pela diminuição do tempo de trabalho que levarão à redução da nossa exploração e ao aumento do tempo livre para o nosso autodesenvolvimento; as reuniões contra a construção de condomínios para os ricos e contra a replanificação comercial dos bairros onde habitamos; a oposição à construção e instalação de indústrias que produzem energias nefastas para a nossa saúde e para a natureza. Dito de outra forma, a luta começa por acções no centro das quais os oprimidos e os explorados defendem os seus direitos e os seus interesses de classe, até que se possa transformar o sistema social.
Isto diz respeito, antes de mais, à esfera do trabalho, que nos escraviza a cada instante. Ou seja, no lugar que ocupamos ao nível do processo de fabrico, de produção e de reprodução do capital (o lugar onde vivemos e onde estudamos)... A nossa ausência de direitos encontra-se lá onde reside o fundamento da nossa escravidão quotidiana: a extracção da mais-valia colocada no centro do imenso mecanismo totalitário da nossa humilhação e da nossa servidão. Passamos a maior parte da nossa vida no trabalho, vendendo os nossos corpos e o nosso cérebro em troca de um magro salário. Despendemos, a seguir, o resto do tempo para recuperar um pouco de fôlego, descansar, dormir bem, colocarmo-nos em “relativa ordem” e recomeçar, a fim de sermos mais produtivos e rentáveis. Somos reduzidos ao papel de uma máquina que não passa de apêndice de outras máquinas de metal e de plástico. É precisamente lá, onde nós criamos a maior parte dos bens indispensáveis para a vida, que nós dependemos totalmente de qualquer capricho dos nossos amos (patrão e chefe), que usurpam os bens sociais por nós produzidos unicamente para seu lucro... É por isto que tentamos colocar a esfera do trabalho (a empresa ou o serviço onde trabalhamos, a escola ou a universidade onde estudamos) no centro da nossa resistência contra o capital e o Estado que nos oprimem, sem negar todos os outros aspectos da dominação: o consumismo, a atomização, a religião, a família, etc.
Qualquer pessoa poderá sugerir-nos que entremos activamente num sindicato ou que criemos um novo? Nós devemos responder «não»!
Os sindicatos surgiram no século XIX para substituir as usuais associações de produtores (corporações de ofícios), dissolvidas e destruídas pelo capitalismo. Unindo-se nos sindicatos de acordo com as suas profissões, os trabalhadores tentaram entreajudar-se no trabalho e na vida. Boa parte destas associações agiram precisamente como sociedades de resistência lutando por aumentos dos salários, pelo melhoramento das condições de trabalho e pela diminuição do tempo de trabalho. Estes trabalhadores agiram também frequentemente de forma revolucionária, levando a cabo greves de agitação ou greves gerais. Também favoreceram a emergência de uma cultura operária que se opunha ao capitalismo, porque proclamava clara e abertamente uma finalidade revolucionária.
No entanto, todas as organizações sindicais, e mesmo as mais revolucionárias, tiveram sempre uma fraqueza. Foram concebidas partindo das condições materiais dos trabalhadores no seio da sociedade existente. De facto, elas estavam ligadas ao contexto de horrível miséria dos dois séculos precedentes. O capitalismo não queria satisfazer nenhuma necessidade dos trabalhadores, até ter sido colocado entre a espada e a parede, ou seja, perante a possibilidade de ser destruído. Apesar de tudo, esta prova foi perdida pelos trabalhadores.
Constatou-se que o capitalismo, na sua variante industrial, se reestruturou pelo advento do fordismo e do taylorismo. Este ultimo caracterizou-se por “uma produção impessoal massiva”, baseada na decomposição e cronometragem das tarefas (parcelização), no aparecimento das cadeias ou linhas de montagem, etc. Ultrapassando um certo “saber-fazer técnico” dos operários, os capitalistas puderam então reduzir os custos da produção. Os produtos estandardizados começaram a invadir o mercado, estimulando o jogo da oferta e da procura. A burguesia humanista e progressista (por via do Estado) pôde aceitar um certo número de reivindicações imediatas dos operários e atingir plenamente os seus objectivos: intensificou a exploração da força de trabalho apesar da diminuição do horário de trabalho, através do aumento da taxa de produtividade, e continuou a obter lucros cada vez maiores, embora a massa salarial tenha aumentado. A melhoria do bemestar dos trabalhadores não engendrou forçosamente a destruição do sistema. Não saindo do quadro existente, em lugar de lutar por outra sociedade, os sindicatos abriramse igualmente a pessoas com convicções muito diferentes, que não pretendiam necessariamente arriscar uma ruptura com o capitalismo e o Estado, preferindo mesmo procurar mestres mais conciliadores, tais como os líderes partidários socialistas, e depois os bolcheviques.
Depositando a luta pelos seus interesses nas mãos destes aventureiros ávidos de poder, os membros dos sindicatos limitaram-se voluntariamente à defesa do nível de vida: o poder de compra (se se preferir). Emergiu assim uma dualidade: a luta política para os partidos e a luta económica para os sindicatos. Estes últimos foram-se reorganizando pouco a pouco segundo o mesmo esquema da representação parlamentar. Uma burocracia cresceu e tornouse omnipotente no interior das organizações sindicais. Os seus membros foram reduzidos a simples figurantes: pagantes de quotizações e executantes de decisões tomadas pela burocracia. Finalmente, os sindicatos são hoje em dia aparelhos ideológicos de Estado, mesmo que o neguem, aparentemente, por meio do neutralismo ideológico (mesmo o sindicalismo revolucionário).
Nós não queremos este sindicalismo reivindicativo que negoceia unicamente uma melhor taxa de valor da força de trabalho. Recusamos contentarmo-nos com o simples melhoramento da nossa situação de escravo moderno. Não aceitamos que se parcelize, fragmente e compartimente a luta contra o sistema. O ideológico, o político, o económico, o cultural... são interdependentes, consubstanciais e, de facto, dialecticamente e transversalmente ligados. Desejamos viver não apenas melhor, mas também de outra forma. O que queremos é ser livres!
A organização revolucionária que nós queremos construir não é um partido nem um sindicato. Ela é, quanto ao seu modo de organização, uma união (ou associação) de trabalhadores, reunindo os trabalhadores que resistem contra a exploração e a opressão quotidianas, no quadro das reivindicações imediatas (enumeradas anteriormente), que não constituem um fim em si mesmas. Estas uniões de trabalhadores - ou antes, “sociedades operárias de resistência” - não se baseiam senão em si próprias. Elas são unicamente um meio para que os trabalhadores tomem consciência da sua subjectividade (uma classe em si e para si), quando fazem prova de solidariedade e de apoio mútuo durante a luta, quando põem em causa a autoridade, a opressão, a propriedade, a desigualdade, etc.
Defendendo de frente todos os seus direitos, os trabalhadores poderão por si ultrapassar o egoísmo, adquirir a dignidade humana, despertando da letargia secular e tomando também consciência de que é preciso acabar inteiramente com o sistema capitalista. É por isto que as nossas sociedades operárias de resistência (profissionais e interprofissionais) são simultaneamente organizações ideológicas cuja finalidade é o “comunismo anarquista”. Nós somos então pela união operária que reagrupe os trabalhadores plenamente conscientes dos princípios do “comunismo anarquista”. Ou seja, estão livres de qualquer espécie de burocracia, de politiquice e de arrivismo. Todas as suas decisões são tomadas nas assembleias gerais ou, a nível federativo local, pelos seus mandatários. Estes últimos são unicamente a “voz” daqueles que os designaram. Estas uniões operárias têm por vocação realizar um trabalho ideológico de propaganda e cultural para difundir os princípios e a finalidade do “comunismo anarquista”, em palavras e em actos. Estas uniões operárias devem ter a capacidade de preparar e levar a cabo greves e outras acções contra o jugo do capital e do Estado. O nosso objectivo é que os trabalhadores se impregnem das posições do “comunismo anarquista”, que comecem a pensar e agir como tal, independentemente das nossas uniões operárias.
Então, as assembleias gerais por eles criadas - hoje tão raras e instáveis - poderão transformar-se, no futuro, em estruturas regulares, constantes e permanentes nascidas da auto-organização e da autogestão sobre a base do comunismo livre. Chamaremos a estas os conselhos, os sovietes ou as assembleias populares (conforme os usos e os costumes de cada um). Então, inspirando-nos nas ideias e nos princípios do “comunismo anarquista”, nós, os explorados e os oprimidos, iremos, um belo dia, ao assalto derradeiro dos bastiões deste velho mundo.
Vadim Grayevski, militante da KRAS, secção russa da AIT
(traduzido por José Guedes a partir da versão francesa disponível no site da CNT-AIT de Caen, França - http://cnt.ait.caen.free.fr)
Publicado en Apoyo Mutuo :
http://www.freewebs.com/aitbas/Apoi...
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