mardi
21 juillet 2009
Isto parece ser consensual : 2009 será um ano catastrófico. Neste fim de ano, todos nos dizem que, ou as coisas correrão mal, ou correrão muito mal... Os mesmos que, à esquerda, seguros das suas réstias de análise marxista, nos anunciavam que a crise financeira era uma crise como outra qualquer ou que, à direita, com o maior descaramento, nos garantiam que ela não nos alcançaria, mudaram brutalmente de opinião. Daqui em diante, somos levados a pensar que vivemos num mundo quase pré-apocalítico. Em que acreditar ?
Pela nossa parte, a desconfiança que temos face a estes profissionais da mentira, mesmo que os seus recentes comentários pareçam ir no sentido do que aqui vimos escrevendo desde há alguns meses, leva-nos a descodificar o “porquê” desta súbita dramatização do discurso político. Os leitores de “Anarchosyndicalisme !”, que se recordam das nossas análises precedentes sobre o período, sabem que nós pensamos que, efectivamente, os tempos mudaram [1].
No coração de um sistema que tinha decretado no início dos anos 90, pela voz dos “intelectuais” a seu soldo, “o fim da história”, as revoltas sucedem-se desde 2001 por todo o mundo. Estas não cessam de nos demonstrar as surpreendentes fragilidades do sistema. Não obstante, importa precisar que, da Argentina de 2001 à Grécia sete anos mais tarde, estas revoltas não conduziram a mais do que, na melhor das hipóteses, recuos tácticos do poder, jamais a uma derrota deste último.
Outro signo da mudança : nas empresas como nos bairros, notamos que é cada vez mais fácil ajudar à emergência de discussões colectivas, nas quais se manifesta um estado de espírito bem diferente. O contexto socio-económico fez com que, o que era em 2007 dificilmente perceptível (e que tínhamos então descrito como uma perda de adesão ao sistema) seja agora bem mais presente : uma perda de confiança massiva nos aparentes benefícios do capitalismo e do Estado, aparecendo o primeiro claramente como uma associação de malfeitores e o segundo como uma equipa de mentirosos ao seu serviço. Esta perda de confiança, que se generaliza com grande rapidez, é uma característica forte da crise actual.
Por um fenómeno de interacção entre os acontecimentos e as suas consequências, a crise do crédito tornou-se numa crise do credo capitalista e estatista. Com efeito, a conservação ou a destruição deste credo é a verdadeira parada do combate que se vai desenrolar nos próximos meses. O poder compreendeu-o, daí a sua nova estratégia.
O poder sabe-o tão bem como nós : os elementos materiais objectivos de uma situação social e económica, mesmo os piores, não são suficientes para desencadear um movimento radical, longe disso. De outra forma já há muito tempo que as populações dos “países pobres” se teriam emancipado do jugo a que estão submetidas.
À excepção dos psicopatas e dos imbecis (excepção tanto mais notável quanto frequente), os homens de poder aderem ao que já dizia Cícero, que “A espada deve ceder perante a toga”. Se bem que sempre recorreram à espada para se imporem, é pelo discurso ideológico que se mantêm ; mesmo que recorram à suprema habilidade de se afirmarem fora de qualquer ideologia, argumentando que as contingências materiais são a base das suas decisões. É por isto que o elemento fundamental de qualquer perspectiva revolucionária - para lá da simples revolta - é a ideologia. Hoje, mais do que nunca, os anarco-sindicalistas devem dar prioridade a este combate ideológico.
Pela sua reviravolta brutal de discurso, flutuando, tão unanime como brutalmente, da tranquilização ao catastrofismo, o poder mostranos tão simplesmente que elaborou uma nova estratégia para salvaguardar aquilo que é para ele essencial : o seu crédito moral junto das populações. Se procura propagar o medo, é apenas para melhor o restaurar.
Entramos então aqui num terreno que, por recente que seja, não nos é desconhecido. Por meio de um mecanismo de reviravolta, o Estado tenta aparecer como o garante da nossa segurança económica, social e pessoal, quando, na verdade, é o seu grande coveiro. Já tínhamos abordado este procedimento a propósito da catástrofe tecnológica que devastou Toulouse em Setembro de 2001 (explosão da fábrica AZF-Total) assim como da que teve lugar em 2005 no Louisiana [Furacão Katrina] : “... a debilidade dos discursos da esquerda e da extrema-esquerda”, escrevíamos, consiste “em exigir mais meios para o Estado, de forma a que este assuma a protecção dos habitantes. Não só estes meios são correlativos ao crescimento do capitalismo e, consequentemente, justificam o seu desenvolvimento (e com esse desenvolvimento, aumenta o risco tecnológico industrial) como, além do mais, são confiados a burocracias que invariavelmente os utilizam para aumentar o seu poder de repressão, que as vítimas de catástrofes são as primeiras a suportar.
Desde então, o Risco plana pesadamente sobre as nossas cabeças ; os nossos aprendizes de feiticeiro, incapazes de prever onde e quando o céu tombará, estão reduzidos a uma prevenção às cegas. Esta ausência de política de antecipação é acompanhada, pelo contrário, duma estratégia de comunicação reforçada e dum retorno massivo das forças de repressão sobre o terreno logo que o primeiro perigo passa. A proclamação urbi et orbi da presença multiforme dos riscos pretende afundar as populações na angústia e na resignação, tanto como a sobrepresença policial procura quebrar as veleidades de rebelião. O nosso futuro não nos pertencerá, da mesma forma que o nosso presente, o nosso futuro conjugar-se-á inevitavelmente com um apocalipse episódico : eis aquilo de que os nossos excelentes amos nos querem convencer. Ainda estamos a tempo de recusar o futuro que estes aprendizes de feiticeiro nos vaticinaram, de escolher outro caminho, de ousar outro futuro.” [2]
Numa obra recente [3], René Riesel e Jaime Semprun, muito a propósito, aprofundaram este tema demonstrando como, a partir do desastre ecológico, o poder que fomentou este mesmo desastre acabou no fim, graças aos reformistas, por reforçar os seus mecanismos de dominação e criar novas fontes de lucros. Citemo-los : “Um acordo quase universal instaurou-se em alguns anos, entre os defensores da ‘nossa civilização’, sobre a necessidade de uma governação reforçada face à crise ecológica total, e temos de concluir que está em vias de se fechar o parêntesis “neoliberal”, durante o qual o capitalismo tinha restaurado a rentabilidade dos seus investimentos industriais diminuindo drasticamente não só os seus custos salariais mas também as suas despesas imprevistas com o Estado. Por vezes, quis-se encontrar uma data precisa para esta mudança de tendência, fazendo-a remontar ao ano de 2005, (...) Mas, na realidade, a colaboração aberta entre associações ecológicas, ONGs, empresas e administrações remonta em certos sectores aos anos noventa.”
A pretensão de “salvar o planeta” é a chave do discurso da recente viragem ecológica, dela resulta a extensão dos poderes regulamentadores do Estado e o nascimento do “capitalismo verde”. Por outras palavras, são os culpados dos crimes contra a natureza que são agora chamados a pretensamente defendê-la, ao mesmo tempo que continuam a reprimir e a explorar as populações ... O resultado real é que, a cada ano, o balanço ecológico mundial é mais mortífero que o precedente. Na crise económica actual, o discurso central consiste em “moralizar” o capitalismo, ou seja, dar novo alento a um Estado protector e a um capitalismo “sério”. A primeira “limpeza” consiste em branquear os responsáveis dos crimes e delitos cometidos contra os seres humanos e a natureza.
Exigir ganhar mais 300 euros por mês, promover a figura mítica do empreendedor schumpeteriano ou então nacionalizar os bancos,... todos estes objectivos apresentados pelos reformistas e pelos esquerdistas, desenvolvem-se no quadro de um Estado que assim devolve a si próprio, a bom preço, uma imagem patriarcal necessária à conservação das suas prerrogativas. E que, sobretudo e antes de mais, garante a perenidade do sistema capitalista. Trata-se nem mais nem menos de favorecer o regresso em força do “credo” neste par infernal e criminoso, responsável pela situação actual : o capitalismo e o Estado. É o objectivo da estratégia do poder que, desde agora, se põe em funcionamento nas altas esferas, com a cumplicidade dos reformistas.
O procedimento é ainda assim um pouco grosseiro : num primeiro acto, agitam-nos em frente aos olhos uma série de gesticulações nas “cimeiras” (G8, G20 e outras). É necessário apenas fazer um pouco de espuma. Como os possidentes sabem que tal não será suficiente, lançam o segundo acto : face ao aumento da contestação no mundo inteiro, mobilizam “sindicatos” aqui, movimentos religiosos ou nacionalistas noutros lugares. O objectivo é simples, dar às pessoas algumas ilusões, depois desapontá-las esperando que isso lhes retire toda a confiança em si mesmas. Os sindicatos gregos desempenharam este papel na perfeição. Os de França desempenhá-lo-ão igualmente bem : uma primeira jornada de desmoralização está já prevista pelas centrais sindicais para 29 de Janeiro de 2009 [artigo escrito em Dezembro de 2009 - N.T.]. Complemento indispensável ao pequeno ballet sindical : os media. Persistirão na sua estratégia inabalável : promover o insignificante a fim de distrair e ocultar o que está verdadeiramente em jogo. [4]
O objectivo, para o poder, é convencer que ele é a única protecção possível e que as populações, por si próprias, não podem nada. Exactamente o contrário do que nós pensamos. Se conseguirem convencer, então a via ser-lhes-á aberta para uma “mudança na continuidade”, ou seja, para seguirem a mesma política destrutiva, em benefício dos mesmos de sempre, com uma coloração política aparentemente diferente.
Eis, em grandes linhas, o plano de batalha do poder para os meses vindouros. Eis aquilo a que é necessário opor-se. Eis o desafio formidável que se coloca aos revolucionários num combate desigual mas do qual, no entanto, não conhecemos o fim, tanto as falhas deste plano de batalha são numerosas e o contexto instável.
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Podemos afirmá-lo, num período como o que vamos viver o papel de cada um será preponderante. Entramos numa época em que o poder vai mostrar sinais de fraqueza, sinais de recuo e contradições que serão, em parte, consequência da viragem ideológica que espera negociar. À medida que o descontentamento crescer, abrir-se-á um fosso entre a força da cólera popular e os subterfúgios do poder. Para os revolucionários será um espaço de acção, infinitamente rico em discussões, difusão de ideias e possibilidades. Em França, a partir do início de Janeiro, nas escolas, nas empresas, nos liceus, um pouco por todo o lado, as assembleias, os encontros, vão suceder-se. Os espíritos estão cada vez mais abertos, este é também um momento no qual o que se tem a dizer, o que se tem a propor, conta mais do que o número. O capitalismo não se moraliza. Tal é contrário à sua natureza. O capitalismo é um sistema de exploração que assenta, tal como o seu braço armado Estado, sobre um mito. Há que destruir este mito : é necessário denunciá-lo, enunciar sem descanso os seus crimes e malfeitorias, pôr a nu a sua natureza profunda. No meio da multidão de pormenores que vão surgir das reivindicações (na verdade, contradições inerentes a qualquer movimento popular), nós devemos, de novo e sempre, recolocar-nos sobre o contexto para contraatacar a estratégia do poder : por um lado, acusar e denunciar os responsáveis políticos e económicos pela situação, apoiar-se sobre os factos que, quotidianamente, nos demonstram à evidência que o poder perdeu toda a moderação. Numa palavra, impedi-lo de enganar mudando simplesmente de máscara. Por outro lado, há que voltar a situar cada luta no contexto do combate ideológico global que diz respeito a todo o planeta. Com tais perspectivas, sai-se do visco do quotidiano, vê-se que não se está isolado e insufla-se, em vez do medo, a coragem necessária para colocar em acção capacidades colectivas.
Militantes da CNT-AIT-F, secção francesa da AIT
Artigo “La Révolution Qui Vient ?”, publicado no Anarchosyndicalisme ! de Janeiro-Fevereiro de 2009, Tradução de José Guedes.
** Significa Há que destruir o capitalismo. Os autores do artigo parafraseiam Catão, o Velho, que terminava sempre os seus discursos no Senado romano com a frase Delenda est Carthago (É preciso destruir Cartago), da qual derivou a locução latina Delenda Carthago. A cidade de Cartago acabou por ser tomada e arrasada pelo exército romano no ano de 146 a.C., o que marcou o fim das guerras púnicas. [N.T.]
============= Publicado en Apoio Mutuo n°1
http://www.freewebs.com/aitbas/Apoi...
[1] 1 “Quelque chose est en train de changer” era precisamente o título da nossa capa na primavera de 2006, nº 95.
[2] 2 Anarchosyndicalisme ! nº 92, Outono de 2005. Ler igualmente “La gestion de la crise comme normalité sociale”.
[3] 3 “Catastrophisme, administration du désastre et soumission durable”, Réné Riesel e Jaime Semprun, Editions de l’Encyclopédie des Nuisances, 2008.
[4] 4 Para um aprofundamento deste conceito : Cornelius Castoriadis, “La montée de línsignifiance, Les carrefours du labyrinthe 4”, Essais, Points.
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